segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Resenha: The Clash - Combat Rock (1982)


O Clash terminou sua tour do corajoso album triplo Sandinista! com uma sequência de shows no International Casino de Nova Iorque. As coisas tinham tomado outro rumo para a banda, formada pelo saudoso Joe Strummer (voz,guitarra), Mick Jones (guitarra,voz), Paul Simonon (baixo, voz) e Topper Headon (bateria).

Insatisfeitos com os rumos que a empresa de management Black Hill Enterprises buscava para a banda, Strummer e Simonon trouxeram de volta á bordo o antigo empresário Bernie Rhodes, que foi importante no desenvolvimento da banda na segunda metade dos anos 70, a desgosto de Mick Jones, que era totalmente contrario a idéia. As tensões entre Jones e o resto da banda e o abuso de drogas do batera Topper Headon (diz a lenda que ele gastava 100 libras por dia em droga e vivia debilitado), fez com que Combat Rock fosse o canto do cisne do Clash que conhecemos...


As gravações

                                  (Topper Headon gravando a bateria do disco) 

As gravações se iniciaram na metade de 1981 no Ear Studios em Londres, mas rapidamente a banda se mandou para o famoso Eletric Lady Studios em Nova Iorque em Novembro. O título até então do álbum seria "Rat Patrol From Fort Bragg". Strummer queria uma espécie de volta as raízes, com um disco mais direto, mas ouve muita discussão no âmbito musical, o que fez com que o disco se tornasse meio desconexo em termos de direção.

Em NY, a banda (com exceção de Jones que ficou na casa de sua namorada Ellen Fowley, que fez backing vocals em "Car Jamming") ficou no famoso hotel Iroqouis, onde James Dean morou por um tempo.

Em Janeiro de 1982, os meninos embarcaram em uma curta turnê, incluindo a Tailândia, onde foi tirada a foto que se tornaria capa do álbum. Quando voltaram em março para Londres pra ouvir o resultado das sessões de Nova Iorque, começaram alguns conflitos.


Jones tinha mixado a primeira versão do album, que seria duplo e chegando a marca de 77 minutos, com mais músicas e versões estendidas e mais dançantes. Ele queria uma versão maior, mas perdeu na votação para o resto da banda que chegou ao consenso de que o disco deveria ser simples com versões mais curtas e enxutas das canções. Pra isso, trouxeram o produtor Glynn Johns , sugerido por Bernie Rhodes, para remixar o disco em seu estúdio em Warnford, Hampshire na Inglaterra. Jones ficou putasso com isso e as fricções dentro da banda só aumentaram. Glynn Johns disse depois em entrevista, que Strummer chegava cedo de manhã para remixar o disco com ele, e Jones aparecia apenas de noite, pegava um bloco e caneta e fazia anotações do que Johns deveria mudar. O produtor mandou Mick Jones pra casa do cacete e que não mudaria porra nenhuma, e então o guitarrista não apareceu mais. Mesmo assim, ele acredita que Jones tenha gostado do resultado final do album.

Além do remix, Jones e Strummer regravaram alguns vocais, como os de "Should I Stay Or Should I Go?" e "Know Your Rights", para que aumentassem o impacto delas como singles. Existe flutuando por aí as mixes de Jones, com qualidade variada no Youtube e em bootlegs da vida. Realmente o disco seria bem diferente se fosse lançado daquela forma (alguns dizem que seria um disco melhor até).

Liricamente, as canções abordam bastante a guerra do Vietnã, e também alguns assuntos sociopolíticos da época. Nesse quesito, o Clash sempre se saiu como maestria.




O disco 

Combat Rock é o disco que menos gosto do Clash (excluindo o pavoroso "Cut The Crap", sem Jones e Headon), ele soa meio desconexo em certas partes, mesmo tendo algumas das minhas canções favoritas dentro da discografia deles. Eu comprei o álbum em cd quando adolescente e acabei trocando pelo Kiss Alive! em vinil com um amigo. Hoje eu gosto mais do álbum (maturidade que fala né), mas mesmo assim está longe de ser um London Calling.... 




Vamos a analise do disco: 

Know Your Rights - De maneira espantosa, a música que abre o disco também foi o primeiro single. Digo isso pois é mais uma espécie de "manifesto falado com guitarras" de Strummer. A letra é maravilhosa..."Assassinato é um crime, a não que ser que seja cometido por um policial ou aristocrata.." Musicalmente, é um stacatto meio Rockabilly. Se tornou um clássico entre os fãs da banda, mas confesso que gosto mais dela liricamente que musicalmente. 7.5/10

Car Jamming - Adoro o swing da batera nesse som, comprovando que Headon era um grande baterista, mesmo com droga na cabeça. É uma das minhas músicas favoritas da banda, com a guitarra meio Bo Diddley e Strummer maravilhoso como sempre. Que falta essa cara faz. 10/10

Should I Stay Or Should I Go? - Até seu cachorro conhece essa música. Talvez o maior hit do Clash, é um sucesso global. Pegajosa, eu sempre a utilizo nas minhas aulas de inglês por ser fácil de acompanhar. É genial a sacada das respostas em espanhol e a voz de Jones, mais britânica, impossível. Daquelas que saturam por serem  tocadas sempre, mas não deixa de ser um clássico. 10/10

Rock The Casbah - Grande parte da música foi composta pelo batera Topper Headon, que criou a base da música sozinho no estúdio tocando piano. Além claro, da batera e do piano, ele gravou o baixo. Se tornou um grande hit. Uma espécie de post-disco. Super dançante e com um refrão chiclete, esse  é um som bem difícil de rotular. Com certeza um marco do Pop anos 80. 10/10

Red Angel Dragnet -  Um reggae escrito e cantado (ou recitado) por Paul Simonon. É inspirada pelo assassinato de um membro da ONG Guardian Angels, que treinava voluntários para prevenir crimes. A música faz menção ao filme "Taxi Driver" de Scorcese. Musicalmente, acho bem fraquinha, bem cansativa. 5/10

Straight To Hell - A melhor do disco e um hino da banda. Fala sobre os filhos de soldados americanos concebidos na guerra do Vietnã e depois abandonados. É uma música com forte teor emocional tanto liricamente quanto musicalmente. A entrega de Strummer é simplesmente fora desse mundo, e o tema triste de violino junto com a batida marcante torna "Straight To Hell" uma obra de arte demonstrando toda a musicalidade da banda. "Oh papa san..." 10/10 de 10/10.

Overpowered By Funk -  Como o título já diz, aqui a banda flerta com um som funkeado, mais puxado pro disco, com cowbells por todo lado e liderada pelo baixo. Em 82, o Hip-Hop já estava começando, inclusive o Clash foi seminal em apresentar artistas como Grandmaster Flash para o seu público. Foi uma das primeiras bandas a se antenarem com o estilo. Sobre a música, ela é OK, gosto,  mas não chega a ser uma "This Is Radio Clash" ou "The Magnificent Seven".  6.5/10

Atom Tan - Ela já lembra o Clash mais das antigas, com duetos de Strummer e Jones. Com um andamento mais lento e curtinha, poderia facilmente entrar no Sandinista!. 7.5/10

Sean Flynn -  Com um início cheio de flautas e sax e um barulho de helicóptero de fundo, a música fala sobre o filho do ator Errol Flynn, que era fotojornalista e foi cobrir a guerra do Vietnã em 1970 e nunca mais voltou. É uma música interessante, mas soa mais como uma trilha-sonora de um filme de guerra do que uma paulada do Clash. O sax de Gary Barnacle é o destaque. 7.5/10

Ghetto Defendant - A batida de Headon e o baixo de Simonon é quase um dub. Allen Ginsberg, poeta beat, recita versos durante a música, enquanto algumas partes são cantadas por Strummer. É a terceira música seguida do álbum que é mais relaxada. Ela possui sons de gaita e no fim da música Ginsberg recita um mantra budista.  7/10

Inoculated City -  Mais uma no estilo Sandinista! com destaque para a voz de Jones. É uma boa música, melhor que as três ultimas e com groove de baixo/batera bem típico do Clash. 8.5/10

Death Is A Star - Faixa meio psicodélica, lembra um pouco a fase "viagem" dos Beatles. Só comprova como o lado B do disco é esquisito e desconexo, com diversos estilos sendo abordados e pouco "rock". Strummer recita alguns versos e tem hora que sua voz lembra o também saudoso John Lennon. Não é uma música ruim, longe disso, mas não empolga. 6.5/10




Recepção/Tour 

Combat Rock foi lançado em 14 de maio de 1982 e chegou ao segundo lugar das paradas britânicas e sétimo nas paradas da Billboard americana, batendo a venda de um milhão de cópias. Um fato impressionante se tratando de um disco tão irregular. O videoclipe de "Rock The Casbah" foi veiculado em exaustão na MTV da época.

                                          (Video Promo de Rock The Casbah)

A revista New Musical Express colocou o disco em entre os 5 melhores de 1982 e a popularidade do Clash só crescia, muito em decorrência dos singles que impulsionaram o álbum. Topper Headon, com seus problemas envolvendo drogas foi demitido da banda mesmo antes do lançamento do álbum e foi substituído pelo antigo baterista da banda, Terry Chimes.

O Punk Rock agora invadia estádios e o Clash foi convidado para abrir os shows da perna americana da tour de "despedida" do The Who, incluindo o famoso show no Shea Stadium, lançado postumamente e que gerou também o videoclipe de "Should I Stay Or Should I Go?"


                                           (Promo de Should I Stay Or Should I Go)

Mesmo com o sucesso do álbum e todo o glamour, a banda estava se deteriorando. Tensões internas culminaram na saída de Terry Chimes no início de 1983. Foi substituído por Pete Howard, que tocou no famoso show do US Festival (com direito a piadas do frontman do Van Halen, David Lee Roth, provocando o Clash na coletiva de imprensa e também no show que fechou o festival). O Clash também arrumou confusão com os organizadores, criticando o preço dos ingressos e ameaçando cancelar sua apresentação caso boa parte da renda do festival não fosse doado a alguma caridade.

                                         (Combat Rock em K7)

O show no US festival foi o último com Mick Jones e o fim de uma era para o Clash, infelizmente. A banda tentaria continuar por alguns anos, sem repetir sequer um terço do sucesso de outrora e Jones chegou a ter algum sucesso com seu Big Audio Dynamite (B.A.D.) que não tinha nada de punk. No fim dos anos 80, Joe Strummer chegou a tocar com o The Pogues.




Mesmo achando o disco bem abaixo de clássicos como London Calling, Give Em' Enough Rope e o disco homônimo de 1977, Combat Rock não é de todo mal. As músicas fortes conseguem dar relevância ao disco e liricamente, ele é impecável. É muito triste saber que esse foi o canto de cisne da "única banda que importa". E cara, como Joe Strummer faz falta no mundo de hoje. Um dos meus maiores ídolos e um cara seminal para sua época. Que ele esteja em um lugar muito melhor que esse que vivemos hoje...



                                                  NOTA FINAL : 7.0/10 





                                        (Train in Vain no US Festival. Mick Jones errando letra e claramente querendo estar em outro lugar...uma pena... )




                                 (coletiva de imprensa no US Festival) 








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